Retirar a isenção tributária concedida ao setor filantrópico não resolverá o desequilíbrio das contas públicas brasileiras. Além disso, diferentemente de outros setores da economia já agraciados com incentivos fiscais, as entidades assistenciais sem fins lucrativos - centenárias e religiosas, em sua maioria - querem mostrar que são capazes de comprovar, com números, a contrapartida benéfica em serviços com que devolvem o dinheiro público à sociedade.
A pesquisa é baseada em dados públicos e oficiais do próprio governo - da Previdência Social, da Receita Federal e dos ministérios da Saúde, Educação e Desenvolvimento Social - e está restrita às 8.695 instituições filantrópicas que possuem o Certificado de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas), de acordo com Pedro Mello, analista da consultoria Dom Strategy Partners, especializada em mensurar ativos intangíveis como marcas, conhecimento e valor.
"Não faz sentido você culpar as filantrópicas pelo problema fiscal do governo", afirma Mello. Pela lei, o certificado Cebas é concedido a entidades reconhecidas como beneficentes de assistência social, que ficam isentas da obrigação de recolher a contribuição de 20% sobre a folha de pagamento à Previdência.
Em troca, a exigência é que as entidades prestem serviços gratuitos em atividades complementares ao Estado, como saúde, educação e assistência social.
"Somos um setor que recebe muito pouco, proporcionalmente, em relação ao que entrega", afirma Custódio Pereira, presidente do Fonif e CEO da Associação Santa Marcelina, mantenedora da Faculdade Santa Marcelina.
"O setor filantrópico nem sempre é ouvido, e esse é um dos motivos pelos quais estamos divulgando nossos dados", diz Pereira, que destaca o papel importante que o setor tem na prestação de serviços garantidos pela Constituição, como atendimentos pelo Sistema Público de Saúde (SUS), financiamento estudantil e atendimento em seguridade social. Ele observa que, em muitas cidades do país, um hospital filantrópico é a única alternativa gratuita disponível. "Nessa crise de desemprego, se as filantrópicas forem prejudicadas, o que vai acontecer com a saúde?", questiona.
As entidades filantrópicas representaram a terceira maior renúncia de arrecadação da Previdência Social entre 2012 e 2014, num montante estimado em R$ 26,7 bilhões, ou 20,3% da renúncia total, de acordo com o estudo. Por ano, a renúncia é estimada em cerca de R$ 10,4 bilhões.
Na lista, as filantrópicas ficam atrás da desoneração da folha de pagamento concedida a 56 setores da economia, que somou R$ 47,4 bilhões no período e respondeu por 36% das isenções concedidas pela Previdência no período; e do Simples Nacional, cuja renúncia somou R$ 43 bilhões, ou 33,3% do total. "Nós não queremos bater em ninguém; nem na indústria, nem no comércio. Nós só queremos defender o nosso espaço", afirma Pereira.
As filantrópicas tem sido alvo de críticas, principalmente por parte de centrais sindicalistas, em meio ao acalorado debate sobre a reforma da Previdência. Na disputa por espaço do Orçamento - e diferentes lobbies que buscam definir quais benefícios devem ser extintos ou preservados-, o setor entrou com mais força no radar dos críticos.
O sindicalista Paulinho da Força, por exemplo, já chamou a filantropia de "picaretagem" em discursos públicos divulgados pela imprensa, e defendeu um aperto das regras de concessão do certificado Cebas. Como a lista de beneficiadas inclui faculdades que cobram mensalidades dos alunos, como Santa Marcelina, Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Mackenzie, uma das críticas é que elas não poderiam ser consideradas instituições filantrópicas. "As críticas são um equívoco. Nós somos 3% de tudo o que a Previdência arrecada. Além de nós representarmos nada, somos um retor que dá retorno", afirma.
Na educação, por exemplo, a contrapartida exigida por lei em troca do Cebas é que as instituições de ensino ofereçam uma bolsa integral a cada cinco pagantes. Na assistência social, a exigência é que as instituições mantenham a prestação de seus serviços. de forma integralmente gratuita. Na saúde, a exigência é que 60% dos seus serviços sejam oferecidos por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Custódio Pereira afirma que o propósito do estudo não foi defender as filantrópicas dos "ataques" do debate fiscal, já que a pesquisa foi encomendada há nove meses. Ele admite, no entanto, que o trabalho ficou pronto em um momento no qual uma defesa baseada em dados organizados, como os do estudo, pode vir a calhar.
"Sabe-se que, na hipótese de se acabar com o Cebas, a população ia ficar desassistida. A questão é: quão desassistida? Nunca houve essa informação e para isso fizemos o estudo", afirma Mello, da Dom Strategy Partners.
O analista argumenta que, na análise das isenções tributárias, muitos benefícios foram concedidos a setores lucrativos da economia, que não precisariam, em princípio, ser financiados pela Previdência Social. "As filantrópicas, deveriam ser diretamente financiadas pela Previdência, pelo Orçamento da seguridade social", diz.
Na análise individual de cada área, a maior contrapartida da isenção fiscal ao setor filantrópico é estimada para a saúde - retorno de R$ 7,35 para cada R$ 1 em isenção tributária. "Ou seja, a cada R$ 100 que um hospital beneficente deixa de pagar em impostos, investe R$ 735 no atendimento à população", sustenta o relatório. Na assistência social, a contrapartida estimada é de R$ 573; na educação, de R$ 386.
O estudo reforça a relevância do atendimento das instituições filantrópicas em áreas em que o setor público não tem condições de atuar sozinho. De acordo com o levantamento, as instituições certificadas pelo Cebas representam 14% do total de universidades do país e respondem por aproximadamente 25% das 2 milhões de bolsas de estudo para financiamento estudantil no país (incluindo ProUni e Fies).
Na saúde, informa o relatório, as Cebas equivalem a 1.393 hospitais, responsáveis por 31% das internações realizadas no país em 2015. Já na assistência social, a estimativa do estudo do Fonif é que as instituições isentas da cota patronal da Previdência respondam por 62,7% de todas as vagas da rede socioassistencial.
Além da organização e divulgação dos dados do setor, a intenção do Fonif é monitorar e participar de forma mais atuante, daqui para a frente, dos debates relevantes para o setor.
"Nem sempre o setor é ouvido e é esse um dos pontos que nós queremos; ter uma participação", afirma Pereira. De acordo com ele, o grupo participará de uma audiência pública sobre o tema marcada para o dia 31 de agosto, em Brasília.
Criado há três anos para ser um fórum virtual e centralizador de dados, o Fonif ganhou recentemente um CNPJ e pretende ser o porta-voz do segmento. Um avanço obtido com o nascimento do fórum, na avaliação dos dirigentes, é que ele une sob o mesmo guarda-chuva entidades saúde, educação e assistência social, que sempre trataram de suas demandas de maneira isoladas.
Além de coletar dados e patrocinar novas pesquisas, a intenção é que o setor se antecipe aos debates mais importantes no Legislativo, por exemplo, com embasamento jurídico e argumentação mais estruturada. "Queremos ser mais ouvidos porque temos dados sobre a nossa contribuição para a sociedade", afirma Pereira.
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