Até a década de 1980, pessoas com níveis elevados de colesterol tinham pouco a fazer a respeito, senão tentar reduzir o consumo de alimentos associados ao acúmulo dessa substância na corrente sanguínea. Isso era muito pouco, considerando um tipo de gordura que, em níveis elevados, pode provocar eventos como infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Desde os anos 1950, laboratórios tentavam, sem sucesso, chegar a uma fórmula para limpar o LDL, o colesterol “ruim”, e evitar que ele prejudicasse o tecido que recobre o coração. Em 1987, as estatinas entraram no mercado, revolucionando o tratamento desse mal silencioso cujo primeiro sintoma já costuma ser o aparecimento de uma doença cardiovascular e tem o dia de hoje como data nacional de prevenção e combate.
(Site/ Labcenter)
As estatinas salvaram milhares de vidas — estimativas publicadas na revista The Lancet apontam uma redução de 30% na mortalidade por eventos cardiovasculares. Mas, para algumas pessoas, não funcionam. Seja por terem mutações genéticas, seja por não tolerarem os efeitos colaterais (o principal é a dor muscular), ou por fazerem parte de uma população de risco cardíaco elevado. Para esse público, a indústria investe em uma nova classe de drogas, os inibidores da PCSK9, uma proteína com papel fundamental na destruição do colesterol “ruim” e que só foi identificada há pouco tempo graças a estudos do genoma humano. Um desses medicamentos acabou de ser aprovado no Brasil e deve começar a ser vendido ainda neste mês.
A descoberta da PCSK9 por um grupo de bioquímicos canadenses em 2003 foi celebrada pela revista Nature, para quem, “de todas as intrigantes sequências de DNA reveladas (...) seja um candidato mais promissor a ter um impacto rápido e de larga escala na saúde”. O mais curioso nessa história é que ela tem origem em uma paciente na faixa dos 40 anos que se tornou modelo de estudo na Universidade do Texas em Southwestern, nos EUA, porque sua taxa de LDL não ultrapassava 14mg/dl. A diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia é de que esse índice fique em até 100mg/dl nas pessoas em geral e em até 70mg/dl nas com alto risco, como obesas e adeptas do tabagismo.
Os cientistas reviraram o DNA da mulher até descobrirem a causa de um colesterol “ruim” tão baixo: ela carregava duas mutações no gene PCSK9 que faziam com que quase toda molécula de gordura circulante fosse capturada por receptores específicos e destruídas. Era a deixa pra que companhias farmacêuticas se lançassem numa corrida para tentar sintetizar medicamentos que imitassem esse efeito.
Atualmente, há duas drogas aprovadas pelo FoodDrugs Administration (FDA), o órgão de regulamentação de medicamentos dos EUA: o alirocumab, da Sanofi; e o evolocumabe, da Amgen. Esse último, com nome comercial de Repatha, é o primeiro a ser aprovado no Brasil pela Anvisa e deve estar disponível no mercado até o fim do mês. Dos 37 mil pacientes envolvidos nos testes clínicos, 764 são brasileiros — 19 deles, de Brasília.
“O Brasil tem uma das mais elevadas taxas de mortalidade por doença arterial coronariana e por acidente vascular cerebral do mundo. Existe um elo muito forte entre colesterol e doença cardiovascular”, diz o cardiologista Francisco Fonseca, professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Fonseca, que também é presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, diz que o controle da taxa de LDL leva à diminuição de riscos. “Se tivéssemos níveis ideais de colesterol no país, aproximadamente 50% dos casos de infarto seriam evitados e haveria uma redução de 18% de derrame cerebral.”.
Isso tem impacto na mortalidade, observa. De acordo com o médico, um estudo com 1.000 pacientes mostrou que o tratamento com estatinas evitou, em cinco anos, 142 ocorrências, como infarto e AVC, e 46 mortes.
Complicação genética
Enquanto as estatinas atendem a maior parte dos pacientes , para alguns grupos, elas têm pouco impacto. É o caso de pessoas que sofrem de uma doença genética e hereditária, a hipercolesterolemia familiar, que se caracteriza por taxas extremamente elevadas de LDL. Associado a mutações em quatro genes — incluindo o PCSK9 —, o mal se apresenta em duas formas. A heretozigótica (HFEe) é a mais branda, e os níveis de LDL dos pacientes variam de 310mg/dl a 580mg/dl. Na versão mais rara e severa, a homozigótica (HFHe), os doentes — crianças, inclusive — apresentam níveis que chegam a 1.160mg/dl. Não surpreende que o risco de infarto entre eles seja 13 vezes maior que o da população em geral, e 33 anos seja a idade média de óbito.
De acordo com o cardiologista Francisco Fonseca, a HFEe tem prevalência de uma em cada 200-500 pessoas e, no Brasil, a estimativa é que atinja 300 mil indivíduos. Contudo, ele acredita que o número possa ser maior, pois há desconhecimento sobre a doença, o que pode levar a um diagnóstico deficiente “É possível que até 800 mil pessoas no Brasil tenham HFEe”, afirma. Nos testes clínicos com pacientes de hipercolesterolemia familiar, o repatha associado à estatina alcançou uma redução adicional de 75% do colesterol LDL.
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