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O Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG) visando a proteção e promoção da saúde e seu compromisso com a ciência, com a técnica e com o exercício ético da profissão farmacêutica, vem por meio deste orientar e dar parecer sobre a publicação do Ministério da Saúde, do dia 20 de maio de 2020, que trata das “orientações para o manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19”.
Desde de janeiro de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a disseminação da Covid-19 como uma emergência de saúde pública mundial, diversos estudos foram conduzidos na tentativa de propor uma terapia segura e eficaz para o combate à doença. Dentre esses, foi dado destaque, especialmente no Brasil, para a utilização da cloroquina e da hidroxicloroquina associadas à azitromicina, mesmo sem que tenha sido demonstrado, até o momento, estudos científicos que comprovem os benefícios da terapia.
Em 22 de maio, a revista científica The Lancet publicou em um estudo multinacional, observacional, realizado com 96.032 pacientes, em 671 hospitais e a conclusão apresentada diz que “não foi possível confirmar um benefício da cloroquina ou hidroxicloroquina, quando usado isoladamente ou com um macrólido, nos resultados hospitalares da Covid-19”. Ao contrario, o que se observou foi relação entre os esquemas medicamentosos com cloroquina ou hidroxicloroquina, à diminuição da sobrevida hospitalar e a um aumento da frequência de arritmias ventriculares quando usado no tratamento da Covid-19. Os resultados sugerem que esses esquemas medicamentosos não devem ser usados fora ensaios clínicos e são necessários confirmação urgente de ensaios clínicos randomizados.
Com base na pesquisa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, dia 25 de maio, a interrupção do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a Covid-19.
Entendemos que, excepcionalmente, em casos críticos, com diagnóstico confirmado para a Covid-19, o médico deve avaliar a possibilidade de utilização da terapia farmacológica, baseando-se na anamnese clínica e na relação custo benefício, considerando a possibilidade de reações adversas graves decorrentes do uso da cloroquina ou hidroxicloroquina.
Infelizmente, o Ministério da Saúde impõe ao médico e principalmente ao paciente, a assinatura de um termo de consentimento e ciência, responsabilizando-o pela adoção do uso cloroquina ou hidroxicloroquina, mesmo nos casos leves da Covid-19, desconsiderando sua possível incapacidade de avaliação ampla e crítica dos riscos na terapia.
Dessa forma, considerando as recomendações do Conselho Federal de Farmácia (CFF), de diversas entidades médicas e, especialmente, a Resolução nº 42 de 22 de maio de 2020, publicada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), recomendamos aos farmacêuticos atuantes em Minas Gerais para a não dispensação indiscriminada e precoce de cloroquina e hidroxicloroquina, especialmente se prescritas para pacientes com sintomas leves da Covid-19.
Ressaltamos que a dispensação de “kits para a Covid-19” contendo cloroquina ou hidroxicloroquina, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é irregular e fere as diretrizes impostas pela Portaria nº 344/98, pela RDC nº 20/2011 e RDC nº 80/2011, publicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As pressões políticas e sociais não devem nortear a decisão para adoção de protocolos terapêuticos que não se sustentem na demonstração de eficácia e segurança. O paciente é o foco da Assistência Farmacêutica, e o farmacêutico atuante no Sistema Único de Saúde deve, sempre que necessário, intervir juntos aos gestores púbicos para revisão de diretrizes que possam colocar em risco a saúde da população.
Se ocorrer, a dispensação dos medicamentos relacionados no esquema terapêutico proposto pelo Ministério da Saúde, que contém difosfato de cloroquina ou sulfato de hidroxicloroquina associados a azitromicina, destinada ao tratamento precoce de casos leves da Covid-19, deve ser feita de forma criteriosa e orientada, mediante confirmação do diagnóstico e apresentação do termo de consentimento e ciência assinado pelo paciente. O acompanhamento farmacoterapêutico e a monitorização dos pacientes deve ser ainda mais cuidadosa, tendo em vista as possíveis complicações da Covid-19.
A Lei 13.021/2014 e a Resolução do CFF nº 357/2002, respaldam a autonomia técnica do farmacêutico na decisão para o atendimento ou não da dispensação de quaisquer medicamentos, tendo em vista a garantida da eficácia e segurança da terapêutica prescrita. Dessa forma, o farmacêutico tem o dever e o direto de não realizar atos contrários aos ditames da ciência e que possam colocar em risco a saúde da população, tendo total amparo pelo Código de Ética da Profissão, descrito pela Resolução do CFF nº 596/ 2014, que estabelece:
“Art. 11 – É direito do farmacêutico:
VI - negar-se a realizar atos farmacêuticos que sejam contrários aos ditames da ciência, da ética e da técnica, comunicando o fato, quando for o caso, ao usuário, a outros profissionais envolvidos e ao respectivo Conselho Regional de Farmácia;”
O CRF/MG está ao lado da classe farmacêutica e se coloca à disposição para apoiar os profissionais que, de qualquer forma, se sentirem ameaçados no cumprimento ético e correto dos deveres de nossa profissão.
Atenciosamente,
Farm. Júnia Célia de Medeiros
Presidente do CRF/MG
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